Quem nunca recorreu ao Google pra conferir se aqueles sintomas que estávamos sentindo eram realmente graves, entender melhor o que o profissional de saúde disse pra gente ou mesmo pra aprender mais sobre um determinado assunto em saúde só por curiosidade, não é mesmo?!

Mas será que as informações que a gente encontra online, seja através de sites retornados pelo Google ou mesmo àquelas que esbarramos nas redes sociais, são realmente alinhadas com o que temos de evidência científica atual?

Bom, a gente sabe muito bem (inclusive pela ciência) da importância da educação/informação como forma de modificar crenças inúteis e comportamentos mal adaptativos. E a internet é sim uma grande fonte de informação e, há muito tempo, é a fonte primária de muitas pessoas.

Portanto, a internet é uma ferramenta com bastante potencial para disseminar informação de qualidade sobre saúde. O problema é que nem sempre as informações que encontramos são confiáveis, a baixa qualidade de uma informação ou mesmo o contato com informações falsas podem gerar grande impacto negativo, com efeitos determinantes não só para a interação clínico-paciente, mas também para a saúde geral das pessoas.

Informações inadequadas podem contribuir para crenças negativas, pensamentos catastróficos, comportamentos de evitação, tomadas de decisão perigosas e maior uso de serviços em saúde, gerando mais gastos e exposição desnecessária a procedimentos.

A disseminação de notícias falsas e desinformação aumentou muito nos últimos anos, especialmente durante a pandemia da COVID-19, não só no Brasil, mas no mundo todo. Alguns estudos apontam as redes sociais como ecossistema que favorece essa prática, já que a estrutura da rede favorece a disseminação rápida de informações criadas pelos próprios usuários.

Usando a dor lombar como exemplo, alguns estudos buscaram entender a qualidade da informação sobre essa condição em diferentes plataformas online e o resultado é chocante…

Google

Foto por PhotoMIX Company em Pexels.com

Um estudo publicado em 2018 analisou a qualidade das informações de sites gratuitos acessados por busca na Google sobre dor lombar, especificamente a respeito do entendimento atual, biopsicossocial, da dor lombar.

O resultado foi desanimador… os sites acessados forneciam limitada ou nenhuma informação sobre toda a complexidade envolvendo a dor lombar (especialmente fatores psicossociais envolvidos). Além disso, cerca de metade dos sites analisados continham informações inacuradas sobre dor.

As informações eram, em sua maioria, equivocadamente influenciadas por modelos de entendimento ultrapassados (focados em contribuições patoanatomicas e biomecânicas da dor), poucos sites forneciam alguma explicação sobre a biologia da dor para além da patoanatomia.

Não muito diferente dos resultados encontrados por Neelapala et al. (2019), quando investigaram as informações envolvendo dor cervical. Informações com alto viés patoanatômico e incoerentes com o entendimento atual sobre a dor cervical.

Redes sociais

Foto por Pixabay em Pexels.com

Se pesquisas na Google já não são tão confiáveis, a gente já pode imaginar a qualidade das informações em redes sociais, né?! (rindo de nervoso)

Foto por NurPhoto via Getty Images

Bom, um estudo publicado em janeiro desse ano buscou entender a qualidade das informações publicadas no TikTok sobre dor lombar aguda inespecífica e o resultado foi: a maior parte dos vídeos sobre o tema não refletem o que as evidências dizem.

E mais! A maioria dos vídeos sobre dor lombar aguda inespecífica não eram produzidos por profissionais de saúde (estes, que supostamente deveriam estar por dentro das evidências científicas).

No estudo, poucos vídeos tinham informações sobre quando procurar um profissional de saúde ou sobre a presença de bandeiras vermelhas. Além disso, várias incongruências com as evidências científicas atuais foram notadas.

Foto por Pixabay em Pexels.com

Pesquisas brasileiras avaliando a qualidade das informações nas mídias sociais sobre exercício e saúde também foram feitas. O estudo de Marcolo et al. (2021) encontrou que a maioria dos posts compartilhados nas redes sociais carregavam uma mera opinião do influenciador/criador, experiência pessoal ou conteúdo de marketing, o que em sua maioria não tinha nenhum fundamento em evidência científica.

O estudo conclui que influenciados brasileiros do Instagram disseminam informações de baixa qualidade sobre exercício e saúde; e que, a maioria dos perfis, apresentavam informações com falta de base científica.

Eles encontraram que o número de seguidores era inversamente correlacionado com a qualificação educacional dos influenciadores, mas não com o escore de relação de qualidade dos posts. Ou seja, quanto mais bonitinho o post, mais seguidores e menos qualidade.

Isso sugere que a credibilidade da informação parece ser extremamente influenciada por quem a transmite. Se quem fala tem boa aparência, tem grandes números de seguidores, publica sobre estilo de vida invejável e possui técnicas de comunicação direcionadas, as informações serão melhor aceitas pelos seguidores, mesmo que não tenha nenhuma evidência que corrobore com o que foi dito pelo influenciador.

Foto por Anton em Pexels.com

E por falar em credibilidade associada a quem transmite, o WhatsApp é prato cheio!

No contexto da COVID-19, por exemplo, uma análise de mensagens compartilhadas pelo WhatsApp em Singapura encontrou que 35% das mensagens compartilhadas eram baseadas em notícias falsas, enquanto outros 20% misturavam informações verdadeiras e falsas (Kim et al., 2022).

O apelo da plataforma se dá, principalmente, pela evidência anedótica vinda de alguém que você conhece minimamente. Um fator estrutural também pode estar relacionado: algumas companhias de telecomunicação ofertam acesso livre, porém limitado, à apps como o WhatsApp. O estudo de Tandoc (2019) explica que esse acesso limitado permite que usuários possam trocar informações e links que não podem ser abertos para leitura completa ou para se verificar a informação, o que torna a pessoa que recebe a mensagem sujeita a desinformação, sem chance de checar a fonte.

Nem sites governamentais estão livres de desinformação!

Foto por Governo Federal (2022)

Você pode pensar “ok, já imaginava que redes sociais continham informações não muito acuradas, mas é bem improvável que sites oficiais também contenham desinformação”.

E foi o que o estudo de Santos et al (2022) investigaram. Nesse estudo, os autores buscaram avaliar o conteúdo online sobre dor lombar em sites brasileiros patrocinados por agencias governamentais (como o Ministério da Saúde) e profissionais associados.

Por mais que o papel desses sites seja promover informações baseadas em evidência para profissionais e público em geral, de modo a conduzir uma melhor utilização dos serviços públicos em saúde e evitar sobrecarga do sistema de saúde, pasme…

Contrariando todas as expectativas, as informações de livre acesso contidas nesses sites falharam em apresentar informações consistentes com tratamentos apoiados pelas evidências. Alguns textos foram considerados parcialmente acurados e outros faltavam com clareza em sua descrição.

A maioria dos sites oficiais não forneciam informações sobre autores, fontes de informação, declaração de conflito de interesse e data de upload.

E agora?! Como saber se uma informação é correta ou não???

A resposta é bem simples: investigue.

A gente precisa entender que alguns fatores são importantes para a construção de uma narrativa equivocada, como fatores cognitivos (viés de confirmação, partidarismo politico, exposição prévia a certas “informações” e pensamento intuitivo), o baixo conhecimento científico e o baixo nível educacional, fatores psicológicos (atração pela novidade, alto estado emocional e conteúdo emocionalmente evocativo) da notícia falsa também são importantes, bem como fatores sociológicos (comunidades online, por exemplo).

Todo mundo tá sujeito a consumir e compartilhar acidentalmente informações falsas, especialmente quando não se é especialista na área e, mesmo estes, estão sujeitos a vieses.

Isso não isenta a gente da responsabilidade da informação que compartilhamos ou da necessidade de sermos cuidadosos ao buscar por informações. Por isso, vou listar aqui algumas dicas (baseada no artigo da Nature) que podem ajudar a não cair em papo furado pela internet:

Foto criada por stockking – www.freepik.com

Guia para não cair em informações falsas online

1. Experiências pessoas e relatos sozinhos não significam nada

2. Cuidado com discurso “experts”/”autoridades” no assunto/celebridades! Essas opiniões não são suficientes pra confirmar alguma coisa

3. O fato de algo (intervenção, terapia…) existir e ser amplamente usado por décadas ou séculos não significa que seja seguro ou eficiente

4. Algo (intervenção, solução, tratamento…) novo, da moda ou altamente tecnológico pode não ser melhor que alternativas já disponíveis

5. Cuidado com métodos infalíveis!!!

6. Linguagem complexa e tecnicista podem ser só uma forma de te enrolar num papo nada certo!

7. Correlação não implica em causa e efeito!

Essa última dica vale uma explicaçãozinha. Mas antes, olhe essa imagem abaixo.

Exemplo de correlação vs. causalidade – fonte da imagem @leticiakawano para o Twitter

O gato é pesado demais e entortou o pilar e o telhado ou o tudo já estava assim antes do gato deitar alí?

Essa imagem exemplifica bem o que eu quero dizer com “correlação não implica causalidade”. Por mais que, na imagem, pareça que o peso do gato foi o causador da destruição do pilar e telha (correlação), dificilmente o pet foi o causador dessa destruição.

E assim é para outras situações na saúde também. Podemos associar as coisas de alguma forma, mas não necessariamente significa que uma causa a outra.

Portanto, CUIDADO com as informações que encontra por aí!

Siga o conselho do ET Bilu: BUSQUE CONHECIMENTO!!!

Fonte do GIF: https://buzzfeed.com.br/quiz/quanto-voce-manja-sobre-os-memes-brasileiros

O propósito deste blog e de todo o conteúdo que posto online é fornecer acesso a informação confiável, baseada em evidência científica, numa linguagem descomplicada.
Acho importante essa divulgação científica. Estabelecer mitos e verdades com base na ciência atual, nos ajuda a tomar decisões mais assertivas e concentrar esforços naquilo que realmente importa.

E, por mais que eu sempre cite artigos e fontes diversas, isso não te isenta de investigar mais sobre o assunto! Como disse neste post, “Cuidado com discurso “experts”/”autoridades” no assunto/celebridades!” e isso me inclui.

Confira as minhas sugestões no “para saber mais!” e as referências usadas em todo conteúdo que publico online.

Vamos fazer desse um espaço de informação um lugar de discussão. Claro, sempre baseada em ciência!

Para saber mais!

Em fevereiro (2022) participei de um episódio do podcast Prosa Ruim em que a gente conversou bastante sobre ciência e pseudociência, tá bem legal e completa bastante o que conversamos neste post. Você pode ouvir o episódio clicando aqui!

Recentemente, também fiz uma publicação no Instagram relacionada a esse episódio do podcast que também completa o nosso assunto de hoje. Você pode conferir o post clicando aqui!

E, como sempre, deixo aqui abaixo o link de tudo que eu li para escrever esse post. Não deixa de conferir!

Aproveita e já me segue nas redes sociais!

Até a próxima!

Referências

Zheluk A, Anderson J, Dineen-Griffin S. Analysis of Acute Non-specific Back Pain Content on TikTok: An Exploratory Study. Cureus. 2022 Jan 19;14(1):e21404. doi: 10.7759/cureus.21404. PMID: 35198311; PMCID: PMC8856647.

Raiany Pires Santos, Thamires Prazeres Alonso, Igor Macedo Tavares Correia, Leandro Calazans Nogueira, Ney Meziat-Filho, Felipe J.J. Reis. Patients should not rely on low back pain information from Brazilian official websites: A mixed-methods review, Brazilian Journal of Physical Therapy, Volume 26, Issue 1, 2022, 100389, ISSN 1413-3555, https://doi.org/10.1016/j.bjpt.2022.100389.

Black NM, Sullivan SJ, Mani R. A biopsychosocial understanding of lower back pain: Content analysis of online information. Eur J Pain. 2018 Apr;22(4):728-744. doi: 10.1002/ejp.1158. Epub 2017 Dec 27. PMID: 29280231.

Neelapala YVR, Raja R, Bhandary A. A preliminary biopsychosocial analysis of online information on causes of neck pain. Musculoskeletal Care. 2019 Jun;17(2):277-281. doi: 10.1002/msc.1388. Epub 2019 Feb 14. PMID: 30762929.

Marocolo M, Meireles A, de Souza HLR, Mota GR, Oranchuk DJ, Arriel RA, Leite LHR. Is Social Media Spreading Misinformation on Exercise and Health in Brazil? International Journal of Environmental Research and Public Health. 2021; 18(22):11914. https://doi.org/10.3390/ijerph182211914

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